Na busca pelo equity, pessoas se tornaram empresas. E viram seu custo aumentar e o faturamento cair.
Nos embalos de um mercado high-ticket e a necessidade de se diferenciar, surgiu o posicionamento de imagem.
Bacana.
Legal.
Pena que todo mundo acabou ficando igual.
Não vou me estender falando dos benefícios de construir uma marca forte. Pois acredito que você saiba, mesmo que intuitivamente, que é melhor ser a Apple do que ser a Xiaomi.
Em um passado não muito distante, a geladeira foi um sonho de consumo. Nem precisava de muito. Bastava conservar os alimentos e gelar a cerveja.
Com não mais do que dois ou três fabricantes, era fácil vender o modelo de porta única — que transbordava o congelador de gelo a cada duas semanas.
O tempo foi passando e novos fabricantes chegaram. Foi preciso inovar:
Duplex;
Frost-free;
Dispenser de água externo;
Eco-friendly;
E mais uma infinidade de coisas desconhecidas que se tornaram objeto de desejo. Porém, chegou o momento em que nem isso bastou.
As celebridades foram então recrutadas para a publicidade, em uma tentativa das marcas de se tornarem as preferidas.
E assim a luta segue em um dos piores mercados, com as margens mais baixas de que se tem notícia.
Algo semelhante vem acontecendo no marketing digital, especificamente na bolha de infoprodutos:
Da webcam de 99 reais para as produções de cinema;
Dos cursos para as mentorias;
Das mentorias para os eventos presenciais;
Do evento de lançamento para o time de telemarketing (gloriosamente chamado de SRD, closer, suporte ativo e seres da mesma espécie).
Todos buscam um posicionamento diferenciado.
É de conhecimento comum que um ótimo produto, preços competitivos ou atendimento excepcional não garantem o sucesso de uma empresa.
O interesse por construir uma marca forte é antigo e crescente, mas é um campo cheio de meandros.
Problema I
O primeiro problema para quem vai começar a estudar sobre branding é filtrar a quantidade de material.
Hoje, na Amazon, a pesquisa por livros traz mais de 20 mil resultados.
Problema II
O segundo problema permeia desde os clássicos na área até a literatura mais recente, é que estamos tratando de um conceito abstrato, mais ligado às ciências humanas do que às econômicas — com o agravante de que muito do conhecimento produzido até aqui não foi desenvolvido em um ambiente tão digital quanto o nosso.
Tampouco tratam do assunto para pequenas empresas, e menos ainda para a figura do especialista ou influenciador. Pouco se fala sobre branding pessoal.
Problema III
Tudo isso amarrado a um terceiro agravante: muitos ainda encaram erroneamente marca como a identidade visual da empresa, e manual de marca com o conjunto de regras para a aplicação dessa identidade visual.
Ao meu ver, a maioria das tentativas conscientes de consolidação de marca no universo de infomarketing fracassam pois cometem o erro de tentar encaixar uma pessoa dentro de uma estratégia de marca corporativa.
Já antecipando um pouco do grande problema em ter um posicionamento pautado pelos arquétipos, que será aprofundado mais adiante.
Comicamente, de um lado há empresas tentando ser pessoas e do outro pessoas tentando ser empresas.
Como de costume, vou trazer alguns conceitos importantes antes de discutir sobre uma nova — nem tão nova assim — perspectiva sobre o posicionamento nas redes sociais.
1 . A brand de quem?
Vou me esquivar de trazer "conceitos de Google" para você, mas algumas premissas precisam ser esclarecidas.
Vamos começar pelo básico:
O que é marketing?
Marketing é o ato de promover e vender. É como sua mensagem é transmitida.
O que é branding?
Branding é o ato de comunicação e posicionamento. É como você é percebido.
Marketing é tática. Branding é estratégia.
Quando falamos de marca (brand) e de estratégia de marca (branding), lidamos essencialmente com o mundo das percepções, com o universo da psicologia e do comportamento humano; estamos envoltos em um novelo impossível de ser completamente desembaraçado. Mas devemos aproveitar daqueles que começaram a costurar esses retalhos:
David Ogilvy vê uma marca como:
"A soma intangível dos atributos de um produto."
David Aaker define uma marca como:
"Um conjunto de ativos e passivos vinculados ao nome e símbolo de uma marca que adiciona ou subtrai valor ao produto ou serviço oferecido por uma empresa e/ou seus clientes."
Seth Godin caracteriza uma marca como:
"O conjunto de expectativas, memórias, histórias e relacionamentos que, juntos, justificam a decisão de um consumidor de escolher um produto ou serviço em vez de outro."
Jeff Bezos oferece sua perspectiva, descrevendo uma marca como:
"O que as outras pessoas dizem sobre você quando você não está na sala."
Ulli Appelbaum define uma marca como:
"A soma de todas as associações que os consumidores têm sobre sua oferta."
A American Marketing Association diz que:
"Uma marca é um nome, termo, design, símbolo ou qualquer outra característica que identifica o bem ou serviço de um vendedor como distinto dos de outros vendedores".
Neste momento, você deve ter percebido que há uma certa dificuldade em encapsular o conceito de branding, mas todas as definições orbitam ao que foi dito por Marty Neumeier, no livro The Brand Gap:
Ele define uma marca como sendo:
"A sensação visceral de uma pessoa sobre um produto, serviço ou organização".
Em sua essência, uma marca representa o que os indivíduos lembram sobre um produto ou serviço específico e as emoções e atitudes que essas memórias evocam.
Uma marca é essencialmente uma rede de memórias, conhecidas como associações de marca, junto com as emoções ligadas a essas memórias residindo nas mentes dos consumidores.
Isso se alinha com a famosa citação da lenda do design Walter Landor:
"Produtos são feitos em uma fábrica, mas marcas são criadas na mente."
Particularmente, acho mais simples encarar a marca como uma coleção de histórias que as pessoas contam sobre você, sua empresa e seu produto; e branding como o nosso trabalho de contar as histórias que as pessoas irão repetir.
A loucura para mim aumentou quando percebi que muito pouco disso poderia ser aproveitado na hora de criar uma marca pessoal, no meu trabalho no digital. Sabe por quê?
2 . Branding Tradicional
Todo esforço de branding tem como meta criar uma referência de personalidade para a marca. Mas o que fazer quando a marca é uma pessoa, quando ela já tem uma personalidade?
O modelo de branding que ganhou força nos anos 1970 foi impulsionado pela psicologia.
Ótimo, mas o problema é que toda a visão de inovação do mercado tem sido dominada pelo prisma dos engenheiros e economistas — construa um produto tecnicamente melhor e o mundo tomará conhecimento.
Esse ponto de vista funcional certamente tem aplicação e mérito.
Mas, como é a única maneira pela qual o branding vem sendo abordado, a filosofia de produtos cada vez melhores teve o efeito de eclipsar qualquer abordagem diferente.
3. Os Problemas do Branding
Os modelos predominantes de branding, enraizados na engenharia dos pressupostos psicológicos, têm ignorado grande parte do papel dos símbolos e da identidade cultural na construção das marcas.
Contudo, ao analisar as marcas de maior sucesso recente, curiosamente encontramos no topo da lista aquelas que foram além dessas estratégias e passaram a defender uma ideologia, uma visão de mundo, que deram voz a um grupo de pessoas.
Como exemplo, podemos olhar para a categoria de cervejas a partir de um ponto de vista ideológico.
Enquanto o produto — a cerveja em si — passou por apenas mudanças menores nos últimos cinquenta anos, a categoria tem sido muito dinâmica em termos das expressões culturais que os consumidores valorizam.
Um exemplo bem ilustrativo foi a campanha “The Most Interesting Man in the World” da Dos Equis.
Uma campanha multiplataforma que ajudou a marca subsidiária da Heineken a impulsionar um crescimento saudável de dois dígitos enquanto a categoria passava por um declínio generalizado.
E o mais importante: enraizou firmemente a Dos Equis na cultura popular.
“Juntos, os esforços de marketing significam uma abordagem modernizada para a Dos Equis – que foca na reconexão com os consumidores por meio da relevância cultural.” -
Ligia Patrocínio, Diretora Sênior da Marca.
Saindo do universo cervejeiro, mas ainda no mundo das bebidas, encontramos outro caso icônico de uma marca que se estabeleceu ao navegar por uma subcultura e materializar a expressão ideológica de um público.
Existem muitas razões pelas quais a estratégia de posicionamento da Liquid Death funciona, mas, no final das contas, a empresa mostra-se bem-sucedida ao rejeitar a norma e vender não o seu produto — que não deixa de ser água enlatada —, mas sua personalidade.
A natureza rebelde da marca e a intensa missão de ajudar o meio ambiente deram forma e representaram o pensamento de uma parte do público insatisfeito com um mundo fervilhando em busca da próxima venda.
Nas palavras do próprio fundador, Mike Cessario:
“Liquid Death foi essencialmente a combinação perfeita de minha paixão por cultura alternativa, música, arte, comédia e saúde, junto com minha paixão e experiência em ultrapassar os limites do marketing e da publicidade para torná-lo menos ruim”.
Os consumidores estão cansados dos anúncios e promoções tradicionais, e a Liquid Death contraria o tradicional trazendo humanidade, ousadia e honestidade para a equação.
3.1. O Sucesso da Exceção
Passamos por alguns exemplos de sucesso que fogem dos principais modelos de posicionamento e de inovação, que assumem que mercados funcionam apenas da maneira como são descritos nos livros de economia básica, onde a inovação é impulsionada pelo que Douglas B. Holt chamou de "melhores ratoeiras".
Esses modelos ignoram que a inovação procede no nível cultural, não apenas no nível básico do produto físico ou serviço, ignorando contextos importantes, como o histórico e o social. No entanto, algumas empresas estão atentas a essas ideologias emergentes e aproveitam as oportunidades causadas por essas mudanças.
Para a maioria dos especialistas em inovação, oportunidades futuras significam uma coisa: novas tecnologias; inovações impulsionadas pela tecnologia são as estrelas dos negócios.
Desde inovações históricas, como a lâmpada, o telefone, a televisão, o Modelo T e o computador pessoal, até estrelas recentes como o iPod, Amazon.com, Blackberry, Viagra e Facebook, a comercialização de tecnologias inovadoras teve um impacto enorme nos negócios e na sociedade.
A busca é sempre pela "inovação disruptiva" que transforma suas categorias.
Levando a maioria das empresas para uma arena onde vence quem supera as ofertas existentes porque são:
Mais baratas
Mais úteis
Mais confiáveis ou
Mais convenientes
Inovações disruptivas alteram dramaticamente a proposta de valor convencional de uma categoria existente ou até mesmo criam uma nova categoria, espaço que é prontamente disputado pela concorrência.
No entanto, sob o prisma da “Inovação Disruptiva”, qual é o grande diferencial da Liquid Death e da Dos Equis?
Indo além, quais são as chances de uma pequena empresa desbancar o oligopólio de outra com um pesado setor de Pesquisa & Desenvolvimento?
Claro que há chances disso acontecer, mas são muito pequenas.
3.2. Proposta Única de Ser Igual
Em síntese, o marketing da engenharia é pautado pelo conceito que foi introduzido pelo publicitário Rosser Reeves nos anos 1950, a Proposta Única de Venda (USP).
Trata-se de um conceito que ganhou fama através de campanhas publicitárias que destacavam os benefícios funcionais dos produtos. O marketing de mindshare, que ouso resumir na luta pela presença na mente dos consumidores.
Essa visão passou a dominar a estratégia de marketing e publicidade, e foi impulsionada pela publicação do incrivelmente influente livro de Ries e Trout, Posicionamento: A Batalha por Sua Mente.
O modelo orienta os marqueteiros a determinarem o "gap" cognitivo: qual benefício funcional em uma categoria é mais valorizado pelos consumidores e menos dominado por outras marcas?
Na tentativa de dominar este espaço (gap), o objetivo é criar uma associação cognitiva nas mentes dos consumidores, para então martelar a conexão entre a marca e o benefício de forma tão simples e consistente quanto possível.
Com o tempo, os consumidores associam inconscientemente a marca com o benefício e, como resultado, a marca passa a "possuir" (em um sentido cognitivo) o benefício.
É o marketing de bordão. Aquele que depende de uma metáfora fácil e intuitivamente atraente: as marcas têm sucesso quando colonizam "território cognitivo" valorizado nas mentes dos consumidores.
Você provavelmente conhece alguma dessas frases:
“Vem pra Caixa você também.”
“Compre Batom.”
“Não é assim uma Brastemp”
“Bonita camisa, Fernandinho”
“51, uma boa ideia”
“Skol desce redondo”
“Brahma, todo mundo ama”
Infelizmente, o novo estilo de marketing de mindshare provou também ser problemático.
3.3. A Armadilha das Emoções Genéricas
Para evitar a armadilha dos benefícios funcionais, muitos profissionais de marketing agora se concentram em identificar o que chamam de "benefícios emocionais", os valores mais suaves, pensamentos e sentimentos que os consumidores associam ao produto, marca ou categoria.
Embora as intenções possam parecer nobres e sofisticadas, subir para os valores de ordem superior do consumidor para desvendar os estados de necessidade fundamental do consumidor e a verdade da marca não é nada disso.
Na prática, o resultado é simplesmente buscar abstrações vagas que têm um valor insignificante para os consumidores e que muitas vezes não representam a marca.
Esse processo incentiva as empresas a perseguirem "territórios emocionais" genéricos que qualquer marca em qualquer categoria pode reivindicar. Essas palavras de emoção se misturam em uma mescla confusa. Levi’s se torna a campeã da "confiança" e "liberdade". Mas o mesmo acontece com Lee Jeans e Guess Jeans.
No final das contas, tanto os recursos de benefícios funcionais quanto emocionais do marketing de mindshare são severamente limitados, como ferramentas de inovação, porque estão enraizadas no mesmo modo de pensamento.
Ambas as abordagens implicam que o marketing trata de incorporar associações entre a marca e benefícios valorizados nas mentes dos consumidores. Como uma propriedade da mente, a marca e seus benefícios são ambos assumidos como duráveis e fora do contexto social.
3.4. Para Águas Mais Profundas
Buscando uma saída dessa linha de pensamento que leva todas as empresas para o mesmo lugar, há cerca de duas décadas, Gary Hamel e C. K. Prahalad fizeram um apelo pioneiro.
Com o objetivo de "criar os mercados do amanhã", eles desafiaram os executivos a:
Desenvolver a capacidade de prever o mercado
Definir uma intenção estratégica
Alavancar recursos
Revitalizar o processo da criação de novos negócios
Evitando assim se afundarem nas batalhas de um mercado estabelecido, incentivaram as empresas a ocuparem um novo espaço de mercado — o que chamaram de “espaço branco” — para criar e dominar oportunidades emergentes.
Mais de uma década depois, W. Chan Kim e Renée Mauborgne introduziram uma nova metáfora do "Oceano Azul" — para dramatizar uma ideia muito semelhante. Um conceito que consiste basicamente em combinar inovações de mercados diferentes para criar uma terceira coisa.
Em um dos exemplos principais do livro, os autores descrevem como o Cirque du Soleil criou um oceano azul ao emprestar do teatro e dos musicais da Broadway para reinventar o circo.
Sem dúvida, a ideia é deveras muito boa. Esta forma de pensar sobre os oceanos azuis é radicalmente diferente dos modelos de “melhor ratoeira”. Na sua essência, ainda estamos lidando com um modelo tecnológico e de combinação, e as oportunidades estão sempre disponíveis no mundo, adormecidas, até que surja a nova tecnologia certa ou uma oferta mais criativa.
As pessoas sempre querem melhor funcionalidade.
Porém, a falta de concorrentes no Oceano Azul pode ser simplesmente porque a ideia não é viável; ou então a ideia é tão disruptiva que a ausência de concorrência se dá pelo fato de que todo o trabalho de validação e educação do mercado ainda precisa ser feito, pois os usuários muitas vezes nem sabem que têm o problema que o produto resolve.
Além disso, concorrentes estarão no seu cangote tão logo a sua ideia seja validada pelo mercado, pois ainda estamos lidando na esfera de olhar apenas para o produto e suas funcionalidades.
Sem dúvida, muitas empresas tiveram sucesso ao se posicionarem nos oceanos azuis. No entanto, o número de empresas que falharam na tentativa é provavelmente maior, e seus esqueletos recobrem agora o fundo do mar.
4. Vou finalizar sem terminar
Poucas empresas – seja qual for o produto ou serviço que vendem – compreendem que a sua oferta é entendida, experimentada e valorizada pelos consumidores como uma expressão cultural.
Um número ainda menor de empresas está disposto a compreender, gerenciar e operar no nível das expressões culturais.
Modelo de posicionamento que considero indispensável para aqueles que trabalham com infoprodutos de especialistas — vendendo suas ideias e visões de mundo.
Como resultado, os líderes de uma categoria tendem a chegar a um consenso de ideia do que é uma boa expressão cultural e depois copiam-se uns aos outros.
Na segunda parte desta série, vamos caminhar por algumas estradas desconhecidas que podem trazer luz para quem deseja estabelecer uma marca pessoal no ambiente digital.
P.S.: vou começar falando sobre a grande furada dos arquétipos de marca para posicionamento pessoal.
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